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Mário Luiz Delgado – advogado
   
     
 


28/11/2010

Mário Luiz Delgado – advogado
A transfusão de sangue pode ser realizada contra a vontade do paciente ou de seus representantes legais?
Recente decisão judicial que submeteu um casal de membros da igreja Testemunhas de Jeová a júri popular, em razão da negativa em autorizar a transfusão de sangue em favor de sua filha, que veio a falecer, reacendeu a velha controvérsia sobre a possibilidade de a transfusão ser realizada contra a vontade do paciente, ou de seus representantes legais, nas hipóteses de risco de vida. A polêmica também se estende ao transplante de órgãos. Alguém com insuficiência renal crônica, por exemplo, poderia ser submetido, contra a sua própria vontade, a um transplante de rim?

O art. 15 do Código Civil de 2002, a princípio, traz regra proibitiva, nos termos seguintes:

Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

Esse dispositivo introduziu no novo Código Civil os direitos do paciente, valorizando os princípios da autonomia, da beneficência e da não-maleficência e assegurando o direito de recusa a tratamento arriscado.

A proibição de atos de intervenção cirúrgica não autorizados, aí incluídos, naturalmente, a transfusão de sangue e os transplantes de órgãos, constituem corolário lógico do direito à integridade física e o novo Código Civil consagrou de modo expresso a liberdade de não ser compelido a tratamento médico ou cirúrgico, quando presente o risco de vida.

O dispositivo, no entanto, deve ser interpretado restritivamente, não podendo jamais priorizar a liberdade do paciente em detrimento à vida, que tem primazia constitucional.

A Constituição Federal, em seu art. 5.º, no resguardo dos direitos e garantias fundamentais, tutelou os mais relevantes direitos da personalidade, assegurando, por exemplo, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade.

Entre esses direitos fundamentais e personalíssimos, alguns gozam, indubitavelmente, de primazia constitucional sobre outros.

O primeiro e mais importante direito da personalidade é o “direito à vida”, decorrente do princípio constitucional do respeito ao ser humano, tido como linha mestra e posto pelo constituinte em ordem de precedência em relação aos demais.
O direito à vida é o mais fundamental direito tutelado pelo ordenamento jurídico. Mais do que essencial, é um direito “essencialíssimo”, porque dele dependem todos os outros direitos, razão pela qual a sua proteção se dá em todos os planos do ordenamento: no direito civil, penal, constitucional, internacional, etc. Como bem lembra Luiz Edson Fachin, o direito à vida é “condição essencial de possibilidade dos outros direitos. Desenvolve-se aí a concepção da supremacia da vida humana e que, para ser entendida como vida, necessariamente deve ser digna”.

Dentre as manifestações do direito à vida, decorre, também, o direito à integridade física. Já os direitos à liberdade e à igualdade, sem prejuízo de sua cumulatividade, e sempre que verificada situação de conflito ou antinomia interna, devem ceder lugar ao direito à vida.

Isso porque todos os princípios, positivados ou não no texto constitucional, podem ser limitados por outros princípios com os quais entrem em colisão, exigindo-se, portanto, que sejam submetidos a regras de ponderação, sobre as quais remetemos o leitor à clássica obra de Robert Alexy. Havendo colisão entre princípios ou entre garantias fundamentais, além da operação de ponderação, cabe ao intérprete recorrer também a um outro princípio como critério solucionador, que é exatamente o “princípio da proporcionalidade”, também chamado de “princípio dos princípios”. Comparando o peso de cada bem jurídico e de cada um dos princípios em jogo, o legislador ou o intérprete decidirá, no caso concreto, a qual deles dará prioridade.

Assim, sempre que houver um confronto entre direitos personalíssimos de um mesmo titular, deve-se observar a ordem de prevalência posta no pergaminho constitucional.

Daí porque o direito à liberdade não prevalece sobre o direito à vida, de modo que ninguém é livre para atentar contra a própria vida ou mesmo contra a integridade de seu corpo (CC, art. 13), nem ao paciente é dado o direito de recusar o tratamento médico que lhe venha a salvar a vida (CC, art. 15).

O “direito à vida” não significa que o ser humano seja dono absoluto de sua vida ou de seu corpo, a ponto de ter direito sobre a própria morte. Razão pela qual alguns autores, a exemplo de Santos Cifuentes, preferirem o uso da expressão “direito de viver”. Como primeiro enumerado em todo e qualquer catálogo de direitos humanos, esse direito, mais do que um direito individual, é necessariamente um direito de toda a humanidade, no perfeito paralelo com a famosa poesia do padre anglicano John Donne. A cada pessoa não é conferido o poder de dispor da vida, sob pena de reduzir sua condição humana.

Em suma, o art. 15 só pode ser invocado se presentes simultaneamente dois requisitos: 1. A intervenção cirúrgica implicar em risco de vida; 2. Tal intervenção não for a única forma de salvar a vida do paciente. Se a intervenção cirúrgica, inclusive nos casos de transplante, objetiva salvar a vida do paciente, constituindo a única forma de fazê-lo, não pode ser obstada. Como também não pode ser obstada quando não houver risco de vida, não prevalecendo a vontade do paciente em hipóteses outras, como, por exemplo, nos casos em que houver necessidade de transfusão de sangue, vedada em determinadas religiões.

A responsabilidade, no entanto, não deve ser atribuída exclusivamente ao paciente ou aos seus representantes legais, mas também aos médicos responsáveis pelo atendimento e que deverão ser igualmente responsabilizados pela omissão na adoção de providência urgente, apta a salvar a vida do paciente.

Fonte: Medialink
Autor: Mário Luiz Delgado
Revisão e edição: de responsabilidade da fonte

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