Enquanto o Brasil já enfrenta os problemas da chamada "epidemia" mundial da obesidade, uma verdadeira queda de braço está sendo travada na Justiça e no Congresso para frear as restrições à publicidade de alimentos com alto teor de açúcar, gordura e sal. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o país perderá cerca de US$ 60 bilhões até 2015 devido ao impacto nos seus gastos com as doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, hipertensão e câncer, provocadas principalmente pelos maus hábitos alimentares e pelo sedentarismo.
No final de dezembro, entra em vigor a Resolução 24/10 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que exige a exibição de frases de alerta na propaganda de alimentos com elevadas quantidades de açúcar, gordura saturada, gordura trans, sódio e bebidas com baixo teor nutricional. Por exemplo, o produto de uma marca comercial com muito açúcar terá de usar na peça publicitária o alerta de que "consumido em grande quantidade, aumenta o risco de obesidade e de cárie dentária"
No entanto, essa regulamentação, que vem sendo discutida desde 2006 e pretende proteger especialmente as crianças - mais vulneráveis às estratégias de marketing dos anunciantes -, está ameaçada de valer apenas para uma pequena parte das empresas de alimentos. Desde setembro último, liminar concedida pela 16ª Vara da Justiça Federal, em Brasília, suspendeu o cumprimento da resolução pelos filiados da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), que congrega nada menos que 70% dos fabricantes do setor.
- Essa liminar não abrange as mídias, como TV, rádio, jornal e revistas, nem estabelecimentos como supermercados e outros canais da rede varejista - afirma a gerente-geral de Monitoramento e Fiscalização de Propaganda da Anvisa, Maria José Delgado. Em entrevista ao Jornal do Senado, ela ressaltou que a resolução publicada em junho último continua em vigor. Para reforçar essa posição da Anvisa, mais de 40 entidades e organizações de defesa dos direitos do consumidor e da criança, além das que atuam nas áreas de saúde e nutrição, devem formalizar em 17 de dezembro a criação de uma frente em defesa da regulação da publicidade de alimentos não saudáveis.
Do lado dos anunciantes, o principal questionamento na Justiça é que a agência está extrapolando sua competência ao querer legislar sobre propaganda.
- Essa é uma briga semelhante à que ocorreu com a publicidade de cigarros. Não foi fácil vencer os interesses da indústria - lembra Mariana Ferraz, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), uma das entidades articuladoras da frente. Desde dezembro de 2000, a Lei 10.167 proíbe a propaganda de cigarros, charutos e outros produtos do tabaco.
Para solucionar essa queda de braço na definição de regras para a publicidade de alimentos, especialmente a que foca o público infantil, entidades como o Idec e o Instituto Alana, responsável pelo projeto Criança e Consumo, e representações da indústria, do marketing e da propaganda estão tentando negociar um entendimento em torno do projeto (PLS 150/09) da senadora Marisa Serrano (PSDB-MS), em tramitação na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), onde o relator é o senador Gilberto Goellner (DEM-MT).