Para garantir bom atendimento, infraestrutura e produtos que satisfaçam clientes cada vez mais exigentes, o comércio varejista e o setor de serviços estão aderindo a uma prática cada vez mais comum: a contratação de consumidores espiões. Fazendo-se passar por clientes comuns, consultores e até mesmo usuários do dia a dia são treinados para que usufruam do serviço prestado pela empresa com olhar de auditores.
A avaliação inclui desde o atendimento, postura dos funcionários e conhecimento técnico sobre a mercadoria até a limpeza do estabelecimento, organização da vitrine e variedade de produtos. Todas as informações coletadas são repassadas em formato de relatório, com diagnóstico e sugestões para que o empresário solucione os problemas constatados.
Os profissionais infiltrados podem estar em shoppings, postos de gasolina, academias de ginásticas, voos de companhias aéreas, supermercados, rede de hotéis, restaurantes, concessionárias de veículos e em diversos outros estabelecimentos preocupados em identificar falhas que só os consumidores conseguem enxergar. “Na TAM, o passageiro fantasma foi adotado há mais de 10 anos pelo comandante Rolim Amaro. Foi uma alternativa criada para identificar aquilo que ele não conseguia ver”, lembra o gerente de mercado e produto da TAM, Rodrigo Trevizan.
O consultor disfarçado de passageiro passa por todas as etapas do voo – compra do bilhete, a viagem propriamente dita e uma possível perda de bagagem. “Esse processo é feito em, no mínimo, 10 aeroportos brasileiros. Ao longo do ano, são 400 viagens realizadas por passageiros fantasmas”, conta Trevizan. Os cerca de 12 profissionais que realizam o serviço passam por um treinamento rigoroso. Eles têm de conhecer todos os procedimentos adotados pela companhia. “Ele sabe que em determinado momento a atendente teria uma fala determinada e deve checar se isso é cumprido. Existe um script de atendimento”, acrescenta.
Além disso, a empresa ainda estabelece seis perfis de consumidores: aquele que chega atrasado, um idoso, um cadeirante e outro que está com sobrepeso de bagagens. Com as informações levantadas, a empresa põe em prática planos de ação para tentar corrigir as falhas. “Quando são pontos individuais, passamos para correção da área responsável. Contamos também com uma diretoria responsável por disseminar a qualidade na linha de frente”, diz Trevizan.
Trabalho contínuo
O trabalho do consumidor oculto não costuma acabar quando as ações de melhoria são implantadas. “É um esforço contínuo. O fato de hoje estar correto não garante que daqui dois dias isso vá ocorrer. Hoje, há uma rotatividade muito grande de funcionários nas empresas”, analisa o especialista em varejo da B1 Comunicação e Marketing, Bira Miranda. Procurado por empresas de diversos segmentos para colocar o cliente oculto em campo, o especialista explica como o trabalho é feito. “Conversamos com o empresário para levantar os aspectos a serem identificados. A partir daí, traçamos estratégias dos pontos que devem ser monitorados pelo cliente oculto”, explica.
Em geral, clientes corriqueiros são os ideais para o serviço. “Procuramos selecionar pessoas comuns que, de certa forma, têm hábitos relacionados ao produto”, explica Miranda. “Mas também contratamos atores para situações em que é preciso simular descontentamento ou raiva”, acrescenta.
As estratégias para identificação dos problemas incluem até filmagem. “Tem casos em que o cliente espião acaba filmando, com câmeras ocultas, o atendimento, por exemplo. É uma forma de fiscalização”, explica o diretor da solução de encantamento ao cliente da consultoria Franklin Covey, Carlos Eduardo Oshiro. O especialista pontua que as características de um bom consumidor oculto são o detalhismo, concentração e calma e ainda pondera que, para alcançar os resultados esperados e criar uma cultura da qualidade, são necessários de quatro a cinco meses, mas para perdê-los basta um.
RAIO X
Quem é o cliente espião?
Em geral são consultores, mas há situações em que consumidores comuns assumem o papel
Como são treinados?
A empresa interessada no serviço estabelece o que deve ser supervisionado. A partir daí, monta-se um script de todos os procedimentos que devem ser observados pelo cliente espião.
O que avaliam?
• Disposição dos produtos na vitrine
• Atendimento
• Cumprimento das regras de conduta da empresa
• Variedade de produtos
• Infra-estrutura (iluminação, equipamentos, entre outros)
• Limpeza
Resultados
A partir dos dados levantados, um relatório é produzido, com diagnóstico e sugestões de medidas que deveriam ser implantadas para melhoria dos procedimentos da empresa. Em geral, o cliente espião costuma voltar a avaliar o serviço alguns meses depois de adotadas as mudanças.